Dramas de uma viajante em 2020

11 de Março de 2020. O dia em que completei 33 voltas ao sol e o dia em que foi decretada uma pandemia mundial, também foi o dia em que eu, e acredito que todos nós, sentimos na pele que não temos controle sobre nada. Um dia tudo é lindo e no outro dia estás em queda livre no abismo.

Se a minha avó que no auge dos seus 87 anos de vida nunca viveu uma coisa assim, imaginem eu na inocência dos meus 33.

Na inocência dos meus 33 acreditei que “isto passa rápido, em maio já estou nas Filipinas”, na inocência dos meus 33 acreditei que “depois do verão fica mais tranquilo e vou conseguir retomar a minha vida fora daqui”, na maturidade dos meus 33 percebi que “eu não vou é a porra de lugar nenhum tão cedo e tenho que aprender a viver com isso”.

Pandemia -1 | Maria – 0

NUNCA MENOSPREZES A DOR DE ALGUÉM

Eu, que sempre achei que a minha maior qualidade era ver sempre o lado bom das coisas e nunca perder uma certa inocência em viver a vida, vi-me a não ver esperança em lugar nenhum. Eu sei, existem sempre coisas piores, mas cada pessoa sabe as dores, os medos e as inseguranças que carrega dentro de si e toda a dor é válida e precisa ser honrada por quem a vive.

Nós honramos um sentimento quando nos permitimos senti-lo. É difícil sentir dor, mágoa, ansiedade, no entanto, aprendi a acolher estes sentimentos quando eles aparecem, a senti-los totalmente atravessando cada célula do meu corpo e a depois deixá-los ir.

LIÇÃO NÚMERO 1 – Nunca menosprezes a dor de alguém. Principalmente a tua.

Em 2020 percebi o que é ter uma crise de identidade. Demorei algum tempo a perceber que era isso que estava a acontecer comigo, a dar-lhe um nome.

Crise de identidade.

Nos últimos anos adquiri o hábito de quando as sombras aparecem olhar para elas de frente. Desta forma, no meio das minhas inseguranças e da minha ansiedade procurei perguntar-me o porquê de me estar a sentir tão perdida, que sentimento era este de não me conseguir encaixar na vida e que vazio foi este que se abriu em mim.

Cheguei à seguinte questão:

“Quem sou eu quando não posso fazer o que me caracteriza? Quem sou eu quando não estou na estrada ou a viver num outro país? Quem sou eu quando a vida vira uma rotina?”

Confesso que ainda não sei a resposta, pelo menos uma com coerência suficiente para que possa partilhá-la. Contudo, sigo a aprender e a descobrir mais sobre mim mesma, a jornada nunca acaba.

EXISTEM APEGOS QUE NÃO QUEREMOS DESAPEGAR

Engraçado a forma como a vida nos mostra as coisas, eu que me considero tão desapegada percebi o apego que tenho a ser viajante ou ao estilo de vida que construi.

A verdade é que sei que tudo passa, e eventualmente isto vai passar e eu vou poder deixar-me consumir pelo mundo outra vez, o meu sofrimento eu sei de onde vem, vem desta minha relutância em parar. A vida pede-me para parar mas eu não quero.

É fácil dizer para fluirmos com a vida quando ela flui na direção que queremos, e como fazemos quando temos que fluir com a vida mas ela não está tão excitante como aprendemos a vivê-la?

LIÇÃO NUMERO 2 – Parar. Descansar. Recuperar.

Por vezes o melhor que podemos fazer é aceitar o que não podemos mudar e a partir de um lugar de paz encontrar novas soluções e novas respostas. Este lugar de paz é o nosso centro, então quando começas a não ver esperança em lugar nenhum, acredito que o melhor é parar tudo, silenciar o mundo à tua volta e cuidares de ti, com amor. Ninguém melhor do que tu vai saber o que é melhor para ti, e todas as respostas estão em nós, só precisamos saber ouvi-las.

Quanto a mim, percebi que este é um apego que eu não quero desapegar, então, aceito sofrer um pouquinho mais nos dias de hoje e aceitar que por alguma razão eu tenho que estar aqui, exatamente onde estou e a viver exatamente o que tenho que viver para evoluir como Ser. E procuro ser paciente, porque isto também vai passar.

Sabem os versos daquela canção?

“a gente espera do mundo e o mundo espera de nós
um pouco mais de paciência…”

SAUDADES DE MIM

Tenho saudades de mim.

Existe uma estranheza neste sentimento de sentir saudades de uma versão minha. Por vezes pergunto-me:

“O que é que a Maria da Ásia faria nesta situação?”

Depois de um ano e meio em Portugal admito que a perdi algures dentro de mim, as nossas melhores versões não brotam do nada. Acredito que elas aparecem quando nos atrevemos a viver, a viver de verdade sabem? Quando não temos medo de ser quem somos, quando nos arriscamos por algo que acreditamos mesmo que isso só faça sentido para nós, quando nos deixamos surpreender constantemente pela vida e principalmente quando seguimos o nosso coração, quando seguimos os nossos sonhos.

Quem já se arrependeu do tempo que passou a realizar sonhos? Aposto que ninguém.

Eu posso não ter muitas respostas, mas este ano veio-me mostrar que a minha essência é definitivamente a estrada. Já nem digo o ato de viajar, mas antes a busca incessante pelo que me é diferente. Sinto falta do novo.

Aqui, tudo se repete. As pessoas, os sabores, as histórias, as reações, as rotinas, a vida e até eu mesma. Até eu mesma! Percebi que tenho pavor da repetição, principalmente da minha. E procuro-me aqui dentro, no entanto, sem as estradas desconhecidas e as culturas diferentes que me questionam e desafiam a toda a hora, sinto-me a estagnar.

Entre conversas alguém diz que tenho que me conformar e que a vida é assim para a maioria das pessoas e é nesse momento que eu a sinto, ela responde por mim:

“Conformar nunca. 2020 pode estar a puxar-me o tapete vezes sem conta mas vezes sem conta vou levantar-me e tentar de novo”

Prefiro chorar por mil planos falhados do que me conformar com uma vida que não faça o meu coração bater mais forte.

LIÇÃO NÚMERO 3 – Não te percas nos outros.

Principalmente se és um sonhador. Nunca deixes que te matem os sonhos, nem a vida nem ninguém. Só se conforma quem já desistiu. E o mundo já está cheio de desistentes.

Dramas de 2020

OI VULNERABILIDADE, VAMOS CONVERSAR?

Isto de se andar sozinho pelo mundo acaba por nos tornar um pouco individualistas, pelo menos fez isso comigo. Acredito que pelo facto de tudo à minha volta estar constantemente a mudar e saber que a única coisa que se mantém comigo sou eu mesma, me levou a acreditar que no final é comigo que eu tenho que contar.

“Nascemos sozinhos e morremos sozinhos”, provavelmente tenho vivido esta ideia um pouco até ao extremo nos últimos anos, uma vez que dificilmente eu pedia ajuda quando estava na merda, preferindo entrar e sair dela por mim mesma e se ninguém se apercebesse melhor ainda.

Até há bem pouco tempo atrás ser vulnerável para mim era sinónimo de fraqueza. Hoje percebi o quanto errada eu estava.

Este ano despiu-me. E na nudez encontrei-me vulnerável e na vulnerabilidade vi-me mais humana do que nunca. A verdade é que me achei mais corajosa nos momentos em que me mostrei assim aos outros (e a mim) do que quando peguei na mochila e atravessei o oceano sozinha.

Sempre achei mais fácil amar do que deixar-me ser amada. Estar na posição de receber amor tem muito a ver com sermos vulneráveis, com permitirmos que o outro nos veja nas nossas inseguranças e medos e perceba que não somos perfeitos (também, quem o é?) no entanto, isso é assustador, pelo menos foi e continua a ser para mim.

Porém, foi na minha vulnerabilidade em frente a pessoas que me querem bem que encontrei o amor que precisava para me levantar, uma e outra vez. Foi na vulnerabilidade de me ver assim que entendi essa coisa de amor próprio.

LIÇÃO NÚMERO 4 – “A vulnerabilidade soa como verdade e sente-se como coragem. Verdade e coragem não são sempre confortáveis, mas elas nunca são fraqueza.” – Brené Brown

Acredito que vivenciar esta vulnerabilidade só me foi possível porque este ano me levou a um extremo que me quebrou algumas vezes, quebrou-me de uma maneira que tive que assumir que não estava bem, eu que sempre estou bem, não estava bem.

De alguma forma tive que aceitar isso e a maneira que encontrei para viver a minha “fragilidade” foi exatamente expondo essa mesma fragilidade, e permitir-me receber amor. Em forma de um abraço, de um olhar mais terno ou um sorriso mais meigo, em forma de um “podes chorar, não tem problema”, em forma de um “é normal o que estás a sentir” e entre lágrimas e risos compartilhados a dor tornou-se mais leve e o mundo com mais cor.

 

O QUE NÃO TE MATA TORNA-TE MAIS FORTE

Demorei mais de uma semana a escrever esta reflexão porque é realmente complicado para mim organizar os pensamentos e os sentimentos que estou a viver este ano, a maioria deles nunca os tinha experienciado ( e sou grata por isso), portanto, tem sido um processo muito intenso onde as respostas não me chegam facilmente.

No entanto, acredito que são em alturas desafiadoras que mais aprendemos e evoluímos, acredito que as coisas não acontecem por acaso e que por vezes são estas alturas que nos obrigam a mudar de direção e nos colocam no caminho certo, seja ele qual for. O importante, é não perdermos a esperança e sermos sempre capazes de nos levantarmos as vezes que forem precisas.

Os sentimentos são apenas visitantes e como bons anfitriões devemos saber recebe-los, eles sempre chegam para nos mostrar ou ensinar algo e depois depende de nós abrirmos a porta para os deixar ir. Querem um conselho? Deixem ir, deixem fluir, se tem coisa que não é boa ideia é apegar-se a sentimentos.

Já alguém uma vez disse: “O que não te mata, torna-te mais forte” portanto, acho que é quase caso para agradecer a 2020, mas não, ainda não tenho essa capacidade. É que depois de tudo, ainda tive que aprender a lidar com um coração partido. Alguém merece? Não, não merece. Mas isso é história para outro momento.

Com amor,
Maria