Vamos falar de desapego?
O desapego foi um dos primeiros conceitos que aprendi quando comecei a mergulhar nos ensinamentos do Budismo e continua a ser um dos meus preferidos de praticar e aprender.
Enquanto estava no retiro Vipassana (podes ler sobre a experiência aqui) tive o meu primeiro questionamento profundo sobre o apego que temos às coisas e porque ele não faz sentido. Principalmente porque não somos mais do que um amontoado de partículas em constante mutação. Então o que é o Eu? E porquê esse apego ao Meu?
Existe uma leveza libertadora quando começamos a aprender a nos desapegarmos das coisas e a nos desapegarmos de sentimentos e situações. Existe um leveza libertadora quando aprendemos a aceitar e a simplesmente observar.
ENTÃO SER DESAPEGADO É SER APÁTICO?
NÃO! Mil vezes não. O desapego é totalmente o oposto da apatia.
Anos atrás, quando me questionava sobre o desapego, duas ideias contraditórias visitavam a minha mente:
- “Eu não quero ser desapegada. Como assim vou deixar de sentir esta intensidade, deixar de me entusiasmar com a vida?”
- “Preciso de aprender o desapego já. Não quero mais me apegar a pessoas e situações e sofrer horrores por isso.” – Este ponto acontecia maioritariamente quando estava de coração partido 😅 quem nunca?
Posteriormente aprendi que o desapego não é nada disso. Praticando o desapego vamos continuar a viver com intensidade e a sentir o entusiasmo da vida, assim como vamos continuar a sofrer por pequenos apegos, no entanto, nesse apego existe a capacidade ou a coragem de abrir mão, de deixar ir.
Eu percebo o meu apego e se ele me atrapalha eu tenho a capacidade de o soltar.
Desapegar-se não é afastar-se da realidade. Nós somos seres sensíveis ao nosso envolvente e não devemos rejeitá-lo, não devemos fugir do que sentimos, mas sim viver as coisas na forma como elas se apresentam. Devemos deixar o sentimento fluir através de nós mesmos sem nos apegarmos a ele, seja o sentimento bom ou mau.
COMO PRATICAR O DESAPEGO
Como tudo no autoconhecimento o processo é simples, no entanto, não significa que seja fácil. É necessário coragem para aprendermos a abrir mão do passado, de coisas, de pessoas e de situações. O desapego, no meu ponto de vista, é o derradeiro exercício de liberdade.
DESAPEGO A BENS MATERIAIS
Eu comecei a minha prática de desapego pelos bens materiais, que já em si foi uma luta. Primeiro temos que admitir a nós mesmos esse apego pelas coisas. Sabes aquela camisa que tens no armário faz um ano e não usas mas também não te livras dela? Apego. Sabes a frustração que sentes quando perdes alguma coisa? Apego. Mesmo quando tens um valor sentimental relacionado a determinada coisa. Desapega-te. Coisas são só coisas.
É este apego ao MEU que é necessário combater. Devido ao meu estilo de vida eu fui praticamente “obrigada” a praticar o desapego a bens materiais, e admito que no início foi difícil. Eu não queria deixar para trás coisas que continham tantas lembranças. Eu não queria deixar para trás as MINHAS coisas. Porém fui praticando, fui abrindo mão, fui desapegando.
O dia em que eu percebi que realmente existiu uma transformação em mim nesse sentido, foi quando o meu telemóvel decidiu passar a noite dentro de um copo cheio de água. Não foi só o telemóvel, foi tudo o que estava guardado dentro dele e que eu não tinha backup, centenas de fotos das viagens, contactos, notas, memórias. Eu senti aquela frustração gigante a aparecer e ao mesmo tempo pensei “São só coisas Maria” e fiquei bem. Desapeguei.
DESAPEGO A SENTIMENTOS
Se por um lado desapegar-se de coisas materiais não é fácil, preparem-se então para a prática do desapego sentimental. Comecei nesta prática há sensivelmente um ano, foi quando realmente entendi o que é isto de não nos apegarmos a sentimentos. Volto a repetir – não nos apegarmos a sentimentos – nós sempre vamos sentir raiva, tristeza, dor, frustração, no entanto, o segredo é a rapidez com que conseguimos sair desse estado, e isso é alcançado através do desapego dos sentimentos.
Estou eternamente grata ao monge na Tailândia que me deu este insight, e vou tentar explicar-vos da forma mais simples que conseguir.
A ideia principal a reter é que nós não somos o que sentimos, nós não somos os nossos sentimentos. Neste sentido deveremos tratar o sentimento como uma visita. O monge na Tailândia explicou-nos da seguinte maneira:
“Quando as emoções surgem podemos tratá-las como se as entrevistássemos:
Olá. Qual o teu nome?
“Raiva”
De onde vieste?
“…”
Quanto tempo vais ficar?”
Percebem que existe um distanciamento entre o Eu e o sentimento?
Quando existe este distanciamento deixamos o sentimento ser o que ele é, deixamos o sentimento fluir em nós e ir embora. Quando existe o apego ao sentimento é quando perdemos a nossa capacidade de observar o sentimento como uma coisa externa ao nosso Eu, então o sentimento passa a controlar-nos, possui-nos e fica preso em nós porque a nossa mente se identificou com ele.
Por isso existem pessoas que sofrem anos por determinadas coisas, porque mesmo inconscientemente, elas criaram apego à dor. Vocês já devem ter reparado que por exemplo, quando estão com raiva se continuam a falar dela e a alimentá-la ela cresce em vocês, existe uma fusão. Mas se logo no início vocês pararem e analisarem o que estão a sentir a raiva vai acalmando até que desaparece.
O segredo está na observação. Quando uma emoção surge nós precisamos estar conscientes dela, observá-la sem reagir, perceber como ela nos faz sentir e aos poucos a nossa mente entende esse distanciamento e não se apega à emoção. E a emoção no seu tempo vai embora, porque tudo é impermanência.
Desafio-vos a sempre que se lembrarem porem isto em prática, é um exercício profundo de desenvolvimento pessoal e muito transformador.
DESAPEGO É SINÓNIMO DE AMAR
Então e como é que eu posso sentir desapego pelas pessoas que eu amo? Desapego é amor. Apego é outra coisa. Na verdade, arrisco-me a dizer que o apego destrói o amor.
Hoje em dia as pessoas confundem sentir apego por alguém com amar alguém. O apego é coisa do ego, queremos a pessoa amada por perto acima de qualquer coisa, às vezes até mesmo acima das vontades dessa pessoa. No final, e se formos sinceros connosco, conseguimos perceber que esta necessidade de ter a pessoa perto é muito uma satisfação pessoal, um suprimir de uma carência nossa.
O amor é desapego. Amar é quando queremos que a pessoa seja feliz dentro dos sonhos e vontades dessa pessoa, independentemente da nossa vontade. Conseguem ver a diferença? O amor vive em liberdade. Então se é amor é desapego, seja com os teus pais, os teus filhos, o teu namorado/a ou os teus amigos.
SÊ FELIZ
A prática do desapego apesar de desafiadora é um dos caminhos mais transformadores para o teu desenvolvimento pessoal, para o teu autoconhecimento e para uma vida mais feliz.
Possuí as coisas mas não deixes que as coisas te possuam. Vive no mundo mas não deixes que o mundo viva em ti. Tudo se transforma em cada instante, tudo é passageiro e neste sentido qualquer tentativa de apego é um game over desde o início.
Desapega e sê feliz!
Inês R.
Gostei muito! Obrigada pelos ensinamentos. Vou tentar pô-los em prática.
CatchMeGoing
Boa!! Vais tentar não, vais conseguir 😉 Sempre que te lembres experimenta sem grandes cobranças, mesmo que seja complicado fazer essa separação no início vais ficando cada vez mais consciente de ti mesma, e esse é o primeiro passo para tudo!
😘