Vulcão IJEN | Como atravessar o inferno e o céu em poucas horas

Existe um lugar no mundo onde descemos às profundezas da terra e vemos fogo azul, rodeados de fumo espesso e um barulho ensurdecedor, acrescido de alguma dificuldade em respirar. O inferno, diriam alguns, no entanto, não deixa de ser mágico. O inferno tem a sua beleza.

Subimos sem saber para onde subimos, e lá no topo, os primeiros raios de sol penetram a escuridão. A luz traz consigo a calma, a paz e todo o esplendor e força da natureza. Estamos no céu e lá em baixo, o inferno, tão distante e tão silencioso agora. O sol nasce e com ele a paisagem de uma gigantesca lagoa de um azul turquesa que parece pintado. O coração pára. Ninguém nos prepara para aquela imensidão.

Esse lugar é na Indonésia. Esse lugar é o vulcão Ijen.

VULCÃO IJEN | 21 DE JUNHO DE 2017

Só é possível ver o fogo azul durante a noite, portanto, por volta da meia noite foram-nos buscar à nossa hospedagem e seguiu-se uma hora de carro até ao ponto onde começa a subida para o vulcão. Acabei por não dormir e fui para lá de direta.

A subida são 3 Km que levam cerca de 1H30 para completar. É muito cansativa, não é difícil, mas cansativa, pois a trilha é muito íngreme e parece que nunca termina. Cheguei à base para aceder ao vulcão exausta, contrastando drasticamente com o meu amigo Scott que, tendo mais 10 anos que eu, estava com energia para dar e vender, e durante a jornada ainda ajudou alguns trabalhadores a levar o carrinho até à base.

Chegando ao topo, fomos equipados com uma máscara antigás e uma lanterna. O vulcão Ijen é como uma mina de enxofre, que através de uma reação química produz as famosas labaredas de fogo azul, e para vermos este fenómeno de perto é essencial descer até ao fundo da cratera.

MASCARA ANTIGÁS E LANTERNA

DESCIDA AO CENTRO DA TERRA. OU QUASE.

Inicia-se uma descida pela parede interior da cratera, onde a única luz existente é a da lanterna que carrego na mão. Essa escuridão impede-me de ter total perceção do lugar onde estou, porém, através das sombras tenho ideia que estou num lugar monumental.

Encontro-me numa escarpa de 200m composta por pedras soltas e escorregadias que, aliada à escuridão quase total, torna o percurso bastante perigoso. Mais uma vez, meti-me na clássica situação em que penso:

Se a minha mãe me visse agora. Matava-me.

Olho para os meus ténis e reviro os olhos pela infeliz ideia de viajar com umas Adidas Super Star. “Preciso de melhorar os meus dotes de viajante”, penso. Apesar de todo o cuidado, caiu de rabo no chão e sinto toda a adrenalina a atravessar-me o corpo. Respiro. Continuo a descida.

À medida que nos aproximamos do fundo da cratera o ar torna-se mais tóxico, por essa razão é essencial o uso da máscara, e a cada minuto respirar torna-se mais difícil.

CRATERA À NOITE

UMA OUTRA REALIDADE

Toda a descida é silenciosa e pelo caminho vou-me cruzando com os trabalhadores, que sobem e descem o vulcão, sem máscara, sem hesitações. Alguns lançam um sorriso tímido, outros parecem corpos sem vida carregando o peso do enxofre às costas. E sinto o peso cru da realidade acompanhado com a minha respiração pesada. Partilhamos o mesmo caminho mas em realidades tão diferentes.

Enquanto uns pagam para descer o vulcão, outros descem para que lhes paguem.

 

E no meio da escuridão, sinto-me grata e abençoada pela vida que tenho.

Estes trabalhadores arrancam blocos de enxofre na orla do lago, no interior da cratera, e transportam-os até ao topo do vulcão. Sem condições, sem seguros, arriscando a sua vida diariamente e deteriorando a sua saúde por 4 a 8 euros por dia. E assim, se leva com um balde de água fria de realidade na cara.

A SUBIDA

Ao chegar ao centro da cratera do vulcão escolho uma pedra para me sentar e admirar a dança daquelas luzes azuis iridescentes. Sinto a atmosfera irrespirável, ouço o barulho quase de guerra, vislumbro a paisagem rochosa e admiro os trabalhadores… o inferno é impactante, mas não deixa de ser incrível.

FOGO AZUL

BLOCOS DE ENXOFRE

Subimos.

Decidimos iniciar a subida ainda durante a noite e assistir o nascer sol no cume da cratera e não no seu interior. O caminho de regresso é igualmente complicado, uma vez que se torna cada vez mais difícil respirar. A dada altura cedi à vontade de retirar a máscara e, ao sentir o ar tóxico, o resultado foi pior do que a dificuldade em respirar.

Subimos.

OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL

Ainda é noite e só consigo pressentir aquelas sombras gigantes à minha volta e ao meu lado um vazio imenso.

Começa a amanhecer e a luz solar vai atingindo a cratera aos poucos, revelando a paisagem à sua volta. O vazio transforma-se num lago cinzento que se vai transformando num azul vibrante. Um lago estático. Imponente. Lá ao longe, junto ao lago, é possível ver a fumaça de enxofre a sair das montanhas, existe vida na cratera rochosa de um vulcão.

vulcão Ijen

vulcão Ijen
NO TOPO DA CRATERA
COM O MEU AMIGO DE AVENTURAS
A VIAGEM

No topo da cratera tudo é paz. Tudo é calma. Tudo é silêncio, à parte de um ou outro passarinho. A neblina matinal confere uma atmosfera etérea à paisagem e, por momentos, sinto que estou no céu. Penso na experiência que acabado de viver, não sei se foi por ter ido para lá de direta, mas senti que aquele vulcão foi a maior viagem.

A descida difícil, acompanhada de todos aqueles trabalhadores pareceu-me o purgatório. Seguido do inferno de chamas azuis e gás tóxico, repleto de peso e densidade. Culminando na subida, na paz e nos primeiros raios de sol. O céu.

Eu sei. Às vezes faço cada viagem na minha cabeça!

vulcão Ijen

ALINHANDO EXPECTATIVAS

Devo confessar-vos que, o meu entusiasmo em ver o fogo azul estava nivelado com a vontade de presenciar o nascer do sol na cratera de um vulcão.

No entanto, o dia amanheceu nublado e não tivemos direito a um nascer do sol com cores rosa e céu limpo, mas não foi menos intenso por isso. Ainda assim, conseguimos ver toda a paisagem antes do vulcão ficar completamente coberto por nuvens, desaparecendo como uma miragem.

vulcão Ijen

vulcão Ijen

Existem lugares que ficam marcados para sempre na nossa memória. O vulcão Ijen, para mim, é um desses lugares. Talvez um dia volte. Talvez.